quarta-feira, 16 de setembro de 2009

As Três Peneiras de Sócrates

 
Um homem foi ao encontro de Sócrates levando ao filósofo uma informação que julgava de seu interesse:

- Quero contar-te uma coisa a respeito de um amigo teu!

- Espera um momento – disse Sócrates – Antes de contar-me, quero saber se fizeste passar essa informação pelas três peneiras.

- Três peneiras? Que queres dizer?

- Vamos peneirar aquilo que quer me dizer. Devemos sempre usar as três peneiras. Se não as conheces, presta bem atenção. A primeira é a peneira da VERDADE. Tens certeza de que isso que queres dizer-me é verdade?

- Bem, foi o que ouvi outros contarem. Não sei exatamente se é verdade.

- A segunda peneira é a da BONDADE. Com certeza, deves ter passado a informação pela peneira da bondade. Ou não?

Envergonhado, o homem respondeu:

- Devo confessar que não.

- A terceira peneira é a da UTILIDADE. Pensaste bem se é útil o que vieste falar a respeito do meu amigo?

- Útil? Na verdade, não.

- Então, disse-lhe o sábio, se o que queres contar-me não é verdadeiro, nem bom, nem útil, então é melhor que o guardes apenas para ti.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

SONHO DE PLATÃO


                                                                                          Voltaire


Platão sonhava muito, e não menos se tem sonhado até agora. Imaginava ele que o ser humano era outrora duplo e que, como castigo de suas faltas, foi dividido em macho e fêmea.

Demonstrara que não pode haver senão cinco mundos perfeitos, porque, na matemática, só há cinco corpos regulares. A sua República foi um de seus grandes sonhos. Sonhara ainda que o dormir nasce da vigília e a vigília do dormir, e que se perde infalivelmente a vista contemplando um eclipse, a não ser numa bacia d'água.

Eis aqui um de seus sonhos, que não é dos menos interessantes. Fantasiou que o grande Demiurgo, o eterno Geômetra, depois de povoar o infinito de globos inumeráveis, quis experimentar a ciência dos gênios que haviam testemunhado o seu trabalho. Deu a cada um deles uma pequena porção de matéria para que a afeiçoasse a seu modo, da mesma forma que Fídias e Zeuxis distribuiriam a seus discípulos o material para fazerem estátuas e quadros, se é permitido comparar as pequenas coisas às grandes.

Demogórgon recebeu, como partilha a porção de lama que se chama a terra; e, tendo-a arranjado tal como hoje a vemos, julgava ter feito uma obra-prima. Pensava haver subjugado a inveja e esperava elogios, até mesmo de seus confrades; muito surpreso ficou de ser recebido com forte vaia.

Um deles, que não poupava gracejos, disse-lhe:

— Na verdade, fizeste um excelente trabalho: dividiste o teu mundo em dois e puseste um grande espaço d'água entre os dois hemisférios, a fim de que não houvesse comunicação entre ambos. Os humanos vão enregelar-se nos teus dois pólos e morrer de calor na tua linha equatorial. Distribuíste prudentemente, pelas terras, grandes desertos de areia, para que os viajantes morressem de fome e de sede. Estou muito satisfeito com os teus carneiros, as tuas vacas e as tuas galinhas; mas, francamente, não vou muito com as tuas cobras nem com as tuas aranhas. As tuas cebolas e alcachofras são excelentes; mas não concebo qual foi a tua intenção ao cobrir a terra de tantas plantas venenosas, a menos que tivesses o desejo de envenenar seus habitantes. Parece-me, por outro lado, que formaste umas trinta espécies de macacos, muito mais espécies de cães e apenas quatro ou cinco espécies de homens; é verdade que deste a este último animal aquilo a que chamas razão; mas, para te falar com toda a sinceridade, essa tal razão é demasiado ridícula e muito se aproxima da loucura. Parece-me aliás que não fazes grande caso desse animal de dois pés, visto lhe haveres dado tantos inimigos e tão pouca defesa, tantas doenças e tão poucos remédios, tantas paixões e tão pouca sabedoria. Pelo que se vê, não queres que fiquem muitos desses animais sobre a face da terra: pois, sem contar os perigos a que os expões, arranjaste de tal modo as coisas que um dia a varíola arrebatará regularmente todos os anos a décima parte dessa espécie e a irmã dessa varíola envenenará a fonte da vida nos nove décimos restantes; e, como se ainda não bastasse, fizeste de modo que metade dos sobreviventes se ocupará em demandas e a outra metade em matar-se. Eles, sem dúvida, muito te ficarão devendo, e fizeste na verdade uma bela obra.

Demogórgon enrubesceu: bem sentia que na sua obra havia mal moral e mal físico; mas sustentava que havia mais bem que mal

— É fácil criticar – disse ele, – mas achas tão fácil fazer um animal que seja sempre razoável, que seja livre, e que jamais abuse da sua liberdade. Pensas que, quando se tem de nove a dez mil plantas para fazer proliferar, seja tão fácil impedir que algumas dessas plantas tenham qualidades nocivas? Imaginas que, com certa quantidade de água, de areia, de lama e de fogo, não se possa ter nem mar nem deserto? Acabas, senhor trocista, de arranjar o planeta Marte; veremos como te houveste com os teus costados e que belo efeito não hão de fazer as tuas noites sem lua; veremos se entre a tua gente não há nem loucura nem doença.

Com efeito, os gênios examinaram Marte e caíram de rijo sobre o galhofeiro. Nem o grave gênio que modelara Saturno foi poupado; seus confrades, os fabricadores de Júpiter, de Mercúrio, de Vênus, tiveram cada um de suportar censuras.

Escreveram grossos volumes e brochuras; disseram frases de espírito; fizeram canções, ridicularizaram-se uns aos outros; as facções se desmandaram na linguagem; até que o eterno Demiurgo impôs silêncio a todos:

— Fizestes (lhes disse ele) coisas boas e coisas más, porque tendes muita inteligência e sois imperfeitos; as vossas obras durarão somente algumas centenas de milhões de anos; após o que, já possuindo mais experiência, haveis de fazer coisa melhor: só a mim é dado fazer coisas perfeitas e imortais.

Eis o que Platão ensinava aos discípulos. Quando parou de falar, um deles disse-lhe:  - E ai então vós acordastes.


FIM

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Fábulas de Esopo



Mercúrio e o lenhador

          Estava um lenhador a cortar lenha na margem de um rio consagrado a Mercúrio, quando caiu seu machado na água, desaparecendo na corrente. O deus, ao ouvir os seus lamentos, compadeceu-se dele, e mergulhando no rio voltou com um machado de ouro. O lenhador disse, porém, que não era o seu. O deus mergulhou novamente e trouxe um machado de prata; nova negativa do lenhador. Finalmente Mercúrio trouxe um machado de ferro, que logo o lenhador reconheceu como o seu. O deus admirou-se de tanta honradez, e como premio ofereceu-lhe os três machados.
          O lenhador ficou satisfeitíssimo e foi logo contar o sucedido aos seus companheiros. Um deles, querendo tentar fortuna, foi logo à beira do rio, deixou cair, e começou a chorar. Daí a pouco apareceu Mercúrio que, inteirado do que tinha acontecido lhe mostrou um machado de ouro, dizendo logo o homem que aquele era o que ele tinha perdido. Mas o deus chamou-lhe de impostor, não lhe deu o de ouro...e nem lhe devolveu o seu!

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

As Fadas e os Corcundas
         
                (antigo conto irlandês)

Todo o irlandês, desde Bunddy até Enniscorthy, sabe alguma coisa sobre a fortaleza encantada que existe entre Tombrick e Mungin.

A aparência é de um campo todo plano. Cercado por uma espécie de terraço.

Um pobre corcundinha, chamado Patrício Blake, que tinha sido posto fora da casa onda habitava, deixou-se ali ficar a dormir, numa noite de luar, e foi subitamente despertado pelos açores de música muito doce.

Viu um raio de luz que saia de uma porta do terraço, e entrou e arrastou-se até chegar a um esplêndido palácio subterrâneo. No teto penduravam-se milhares de luzes e no salão bailavam centenas de formosíssimas fadas vestidas com túnicas e saias verdes e gorros encarnados.

Enquanto  dançavam  iam  cantando  e  repetindo: - “Segundas, terças; segundas, terças; segundas, terças.”

          - Que linda canção! – disse Patrício, inclinando-se profundamente – mas é curta. Vamos ver; suponhamos que seja assim: segundas, terças; segundas, terças; segundas, terças e quartas-feiras! Quartas, quintas; quartas, quintas; quartas, quintas e sextas-feiras!

As fadas aprenderam imediatamente e fizeram soar por todo o palácio a nova canção. Aquela que as dirigia, disse a Patrício:

           - Isto assim é muito mais bonito; se pudermos fazer alguma coisa a seu favor diga, que no mesmo instante se fará.

          - Se quiserem fazer-me a graça de me tirarem a corcunda, eu seria o homem mais feliz da Irlanda – disse Patrício.

Então, as fadas não só lhe tiraram a corcunda como também lhe trouxeram um saco cheio de ouro. Patrício meteu metade nas algibeiras, deixando o resto.

De manhã, foi correndo pagar o aluguel da casa, e tornou a ficar com nela.

O dono era, também corcunda, mas muito avarento; chamava-se Miguelzinho Desmond.

          - Tens um belo aspecto, Patrício – disse ele – Conta-me lá, onde arranjaste esse dinheiro?

Patrício contou-lhe tudo o que se tinha passado no palácio das fadas e, na noite seguinte, Miguelzinho foi lá, tentar obter alguma coisa delas. Assim que se abriu a porta principal, entrou e gritou às bailarinas:

          - Que canção é essa? Por que não mencionam os dias todos da semana, assim desta maneira: “ Segundas-feiras, terças e quartas, quintas, sextas, sábados e do-do-domingos!”

Como se vê Miguelzinho não tinha queda nenhuma para o ritmo, mas isso não era o pior.

As fadas, como todos sabem, são pagãs, e nada as podia desesperar mais do que ouvirem falar dos Domingos, porque era o dia santo dos cristãos.

Assim o desespero das fadas contra Miguelzinho chegou ao auge e aquela que as dirigia, voltando-se para ele, perguntou:

            - Que te trouxe aqui?

          - Venho buscar o que Patrício aqui deixou – disse Miguelzinho pensando no meio saco de ouro.

          - Estás bem; ficarás com o que Patrício deixou aqui – respondeu a fada; e tirando de um saco a corcunda de Patrício, pô-la nas costas de Miguelzinho. E desde aquele dia, o velho avarento ficou com duas corcundas...




(antigo conto irlandês)